Cancro meu: Reviver

Aguardo sentada no bar do instituto Cuf. Tenho daqui a pouco consulta com a Dra Adelina Costa, a médica radioterapeuta que me acompanhou durante as 25 sessões de radioterapia que terminaram no passado dia 11 de março. 

Hoje é dia de recordar. Tenho pensado muito em tudo o que me aconteceu nos últimos meses...sinto que preciso de reviver alguns momentos difíceis, para conseguir encaixá-los no lugar... para ter a certeza que aconteceram, para viajar um pouco dentro das minhas emoções e acarinhá-las.

Recordo o dia em que, sozinha, sentada num café ao lado da Rime (onde fiz a mamografia, ecografia e biopsia mamária), abro o envelope com o resultado dos exames.

O dia tinha começado bem, estava sol, andava a trabalhar na zona de Braga, quando decido ligar para o laboratório  para saber se o resultado já estaria pronto.

Apesar de estar muito confiante, tinha sempre aquela sombra, aquele nervosismo miudinho que teimava em aparecer: "E se dá positivo? E se tenho cancro??", pensamentos que assaltavam a minha cabeça, mas que rapidamente eram postos no sítio: "impossível! Não deve passar de um fibroadenoma, tal como a ginecologista disse!! Nem pensar, eu?? Nã!!". 

Na semana anterior tinha feito os exames. Fui sozinha fazê-los! Não disse a ninguém... Não queria preocupar as pessoas. Fui rápida e silenciosa- quando no dia 23 de Julho  senti o caroço na mama direita (ao tomar duche), no dia seguinte estava a fazer os exames!! 

Esperar para quê?!! Mesmo achando que não era nada, não perdi tempo. Não entendo sinceramente como há mulheres que sentem alterações no corpo e não vão de imediato averiguar!! Já ouvi cada história... A mim parece-me uma forma de suicídio!! Então sentem  a mama inchada, dorida, o mamilo esta diferente, encontram um nódulo e não fazem nada???? Deixam andar??? Não, não acho normal e faço aqui o apelo para que tenham cuidado convosco (mulheres e homens também! Os homens também têm cancro na mama!). 

Nunca deixem para amanhã! Eu se tinha deixado andar, estaria agora com um cancro todo espalhado pelo corpo...

Continuando: ligo para o laboratório para saber se já têm o resultado e dizem-me que sim. Vou a voar para o Porto, entro na clinica, agarro no envelope e dirijo-me para o cafezinho mesmo ali ao lado.

 

Apesar desta pressa e ansiedade, estava confiante. Sentei-me confortavelmente e mesmo antes de chegar a cevada que pedi, abri o envelope branco que tinha o resultado. A minha mãe liga entretanto e eu atendo- "mãe, estou aqui com o envelope à minha frente, vou abrir, espera!". Senti-me menos sozinha por estar a falar com ela ao telefone. Só a sua voz, já me fazia sentir mais segura e protegida!

Começo a ler a primeira folha, com uns termos técnicos aparentemente normais - era a descrição da mamografia... Mas não parecia encontrar nada de especial. "Mãe, parece tudo normal, não estou a conseguir ver onde esta o resultado... Isto não tem um resultado?? Positivo ou negativo?? Não percebo nada deste palavreado!". Do outro lado, uma voz tranquila:

 " calma filha, vê com calma, temos tempo!". Foi então que passei para a folha seguinte, que tinha escarrapachado a negrito o resultado da análise, que li em silêncio: células positivas para malignidade- carcinoma. Desatei a chorar, antes de conseguir lêr em voz alta...

Comecei a soluçar, um choro aflito, desnorteado, incrédulo. 

A minha mãe pergunta de imediato (já adivinhando o desfecho) - " então filha, o que diz?? tem calma, então??". 

Li-lhe o resultado, com muito custo e disse: "tenho cancro, mamã."