Cancro meu: faz hoje 1 ano que tudo começou. O que foi e o que fica...

Hoje os meus filhos (de 2 e 5 anos) acordaram com uma energia contagiante! Eles têm sempre muita energia, é verdade, mas hoje foi diferente! 

Antes das 9h da manhã já se ouviam gritos de felicidade, pinchos frenéticos em cima da minha cama, torres de almofadas, cambalhotas e beijos lambuzados!

A verdade é que faz 1 ano que descobri o cancro na mama. Passou 1 ano e eu estou aqui, viva, saudável, cheia de amor e perto dos meus filhotes! Parece que adivinharam e quiseram festejar comigo, a sério! Foi uma sensação única.

Há um ano atrás, teria começado a acalmar os miúdos, a dizer para saírem da cama, ansiosa, com medo que caíssem dali a baixo, mas agora tudo é diferente!!! Permito-me sentir cada segundo. Eu estava ali, presente, confiante, feliz e muito grata...

São estes momentos que nos enchem a alma, que nos  sussurram ao ouvido o quanto vale a pena viver, o quanto é importante que cá estejamos!

Enquanto ali estava, tive vários flashbacks. Aquilo que estava a sentir enquanto os via brincar, felizes, a comemorar a vida, foi exatamente o que tive medo de perder há um ano atrás. Ou melhor, foi aquilo que tive medo que eles perdessem...uma mãe, proteção, alegria, força, amor....

Mal abri o envelope, naquele café sombrio, com o resultado do exame, invadiu-me um medo de perder momentos como o de hoje. De não estar lá quando precisassem de mim, de não poder ajudar os meus filhos a crescer, a serem genuinamente felizes! E fica um vazio absoluto. 

A vida é sacudida, espremida e não fica quase nada, ficando no entanto quase tudo.... o que interessa! E é isso que temos medo de perder, ali, naquele instante.

Não pensei, nem por um segundo, que não poderia mais ir jantar fora, ou que nunca mais poderia ir às compras, ou viajar, ou trabalhar, ou ter isto ou aquilo. A única coisa que fica é medo de deixar de SER - Amor! Porque foi isso que descobri ser naquele instante. Porque senti ser esse o sentido da minha vida, ameaçada naquele café por uma folha branca, que me parecia uma sentença de morte. Estive ali cerca de 1h a chorar, a tentar agarrar à força os medos que me assaltavam e a encaixa-los no lugar. 

Passado esse tempo, consegui aperceber-me que temos um instinto psicológico de sobrevivência muito grande! Depois do choque, a mente começa a funcionar, a proteger-se, a delinear um plano eficaz para combater o problema!! E foi a isso que me agarrei, porque senti profundamente que ía precisar de mim nos próximos tempos!

Nesse dia, cheguei a casa fora de horas. Era suposto estar a trabalhar, mas depois desta notícia, confesso que não conseguia pensar em trabalho, em clientes, em vendas, em números.... Precisava de assimilar tudo com calma.

Entrei em casa e os meus filhos lá estavam (época de férias)! Saltaram para o meu colo com um sorriso inocente e apaixonado! Senti de imediato que eles são a minha vida... E que tinha de continuar cá para os proteger.

Uma operação, 6 tratamentos de quimioterapia e 25 radioterapias depois, eles nunca viram uma lágrima minha, uma lamentação ou uma atitude mais negativa. Tudo foi uma festa! Fizeram bonecos na minha careca, fizeram piadas com o meu xixi vermelho, andaram com as minhas perucas,... Não sei se é bom ou mau, mas foi o que senti que tinha de ser feito. 

O meu filho mais velho sabe exatamente o que aconteceu. Contei-lhe que tive um dói dói na maminha, que tive de tirar esse carocinho senão ele ía crescer muito e podia ser perigoso. Disse- lhe que tinha de tomar um remédio forte que ía fazer os cabelos caírem, mas que logo logo cresciam ainda mais bonitos. Simplesmente não dramatizei. São muito pequeninos e o meu medo era que ficassem traumatizados ao verem a mãe vulnerável, abatida,...

Passou um ano, e nestes 365 dias vivi intensamente, valorizando o que realmente interessa. 

Comecei  o dia a festejar e quero prolongar esta celebração até ao último dia da minha vida e quando esse dia chegar, quero ter a certeza de ir, mas muito de mim deixar, em cada gesto de amor, em cada brilho nos olhos de quem amo, em cada vibrar...

Beijos e obrigada por me terem acompanhado este ano, com tanto carinho e amor <3